Um ano pós Brumadinho, o que mudou na mineração brasileira?
Por: João Bosco Silva
No dia 25 de janeiro completamos um ano do rompimento da barragem de Brumadinho, uma tragédia que deixou 259 pessoas mortas, das quais 11 ainda desaparecidas. As famílias que perderam seus entes queridos ficaram destroçadas, pequenos sitiantes tiveram suas propriedades destruídas e ficaram sem sustento e a economia da região naufragou por completo.
Será que aprendemos algo com esta tragédia? Neste artigo – o terceiro que escrevo sobre o assunto – pretendo revisar as ações realizadas, fazer um balanço da atuação dos diferentes atores envolvidos e dos impactos ao longo destes 12 meses.
A indústria mineral
Logo após o desastre, muito se comentou sobre o futuro da mineração no Brasil e escrevi sobre os desafios e a necessidade de a indústria mineral se reinventar. Passado um ano, qual foi o impacto real para a indústria mineral?
A paralisação das atividades em Brumadinho gerou uma perda de R$ 22,3 bilhões em receitas para o estado de Minas Gerais no ano passado e uma queda de 1,24% no PIB mineiro, segundo estimativas da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Esta perda é definitiva, já que Brumadinho não vai voltar a operar.
Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), não houve queda nos investimentos previstos e a indústria mineral aumentou 7 mil postos de trabalho diretos, passando a empregar 199 mil pessoas. O valor da produção mineral cresceu US$ 4 bilhões em 2019, atingindo US$ 38 bilhões. Esse montante representou 3,7% do PIB nacional e foi responsável por 34% do saldo da balança comercial. O aumento dos preços do minério de ferro ao longo do ano compensou a queda de volume exportado.
De acordo com interlocutores da indústria, houve um pouco mais de demora na liberação das licenças ambientais, mas nada que prejudicasse os projetos em andamento ou planejados. Em nossas interações com empresas que atuam no setor, entendemos que não houve descontinuidade de contratos e a indústria está operando normalmente.
O Ministério Público
Na última semana, o Ministério Público divulgou o resultado de suas análises condenando o ex-CEO da Vale e mais dez funcionários da mineradora, além de outros cinco da consultoria alemã Tuv Sud. Pareceu uma resposta à opinião pública às vésperas de completar um ano do desastre. Poucas semanas antes, a Polícia Federal havia anunciado que a decisão só sairia em junho, após uma série de estudos.
Esta situação gera insegurança em todos aqueles que podem estar envolvidos no acidente. A demora talvez esteja ligada à falta de conhecimento do assunto e de suporte para uma avaliação criteriosa, mas dada a importância do tema, o Ministério Público deveria buscar fora do país o apoio e a expertise que precisa para tomar decisões bem fundamentadas.
Órgãos Públicos
Uma análise das ações dos órgãos públicos em termos de novas legislações ou posicionamento mostra que muito pouco foi feito, e perdemos uma grande oportunidade de modernizar a legislação e criar controles mais efetivos. Em MG logo apos o acidente de Brumadinho a Assembleia Legislativa aprovou a lei 23.291 que foi imediatamente sancionada pelo governador, a lei determina a erradicação das barragens construídas pelo método de alteamento a montante no estado de MG.
Na realidade, as iniciativas mais importantes que ocorreram vieram de fora do Brasil.
O Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) está concluindo estudos para revisar os padrões globais de gestão e segurança das barragens. A Associação de Mineração do Canadá (MAC) atualizou o manual de boas práticas para gestão de barragens, que foi adaptado pelo IBRAM como um guia para o Brasil.
A Vale
Com a pressão da opinião pública, a Vale passou por várias transformações importantes. O Conselho de Administração substituiu o CEO e mais três executivos e foram agregados alguns profissionais das áreas mineral e ambiental, modificando um pouco o perfil de um Conselho, que era mais voltado para a gestão financeira.
A gestão ambiental foi reforçada e alguns compromissos públicos foram assumidos. Em janeiro, foi anunciado que dez barragens com alteamento a montante seriam descomissionadas em um período de três anos, a um custo de R$ 5 bilhões. Uma ampla campanha na mídia foi realizada, reforçando os compromissos e informando que foram indenizadas 3.900 pessoas, a um custo de R$ 1,5 bilhão.
Definitivamente, a empresa passou por uma grande mudança após Brumadinho, e esperamos que se consolide como uma empresa pioneira e líder na utilização de técnicas sustentáveis.
O balanço geral da tragédia
A indústria de mineração perdeu credibilidade e reputação, reflexo não apenas do ocorrido em Brumadinho, mas também da tragédia de Mariana, que ainda não teve seu inquérito concluído, mais de quatro anos depois. Uma análise realizada pelo Instituto de Reputação mostrou que em dez anos, a reputação da indústria mineral brasileira caiu 15 pontos e chegou a 55 pontos, com perda do respeito, confiança e admiração pelos entrevistados. O setor está entre os mais mal avaliados do país.
O estado de Minas Gerais e os municípios mineiros perderam receitas de impostos e empregos de forma definitiva. Os moradores da região perderam entes queridos e também seus negócios. A economia da região foi seriamente afetada.
A Vale, que na fase inicial teve uma perda de valor de R$ 74 bilhões chegando a ser avaliada em R$ 290 bilhões, já voltou ao patamar de valor do período anterior ao acidente devido ao aumento do preço do minério no mercado internacional.
As empresas brasileiras ficaram mais cuidadosas com a gestão de barragens de rejeitos. Em companhias com as quais atuamos, foram revistos todos os protocolos e contratadas empresas de auditoria para garantir a qualidade das estruturas existentes. Em outra empresa prestadora de serviços, obras em locais onde existem barragens só são autorizadas após análise por um comitê de risco. Outras empresas, como Nexa e Anglo Gold, investiram em tecnologias mais seguras com a estocagem de rejeitos por via seca. Esta deve ser a tendência de agora em diante.
O país perdeu competitividade na atração de investidores na área mineral. O Fraser Institute, do Canadá, faz uma avaliação dos países e regiões considerando a atratividade para investimentos minerais com base nos recursos geológicos e percepção política. O Brasil está na 61ª posição, atrás de países como Peru, México e Chile. Os investidores ainda consideram que nossa legislação oferece pouca segurança jurídica para investimentos de longo prazo, como é o caso da mineração.
Como brasileiro, depois de haver atuado por mais de 20 anos no setor, me sinto desconfortável ao ver que evoluímos muito pouco na nossa legislação mineral. No governo passado foram realizadas audiências na Câmara dos Deputados para rever nosso código de mineração, criado em 1967. Muito se discutiu sobre os impostos sobre atividade mineral e pouco sobre como tornar o país mais atrativo para investimentos. Novamente a miopia de curto prazo nos impediu de evoluir. Continuamos com uma legislação arcaica e pouco eficaz.
Nossas entidades de classe estão mais voltadas a proteger o interesse dos associados, sobretudo com relação a tributação, do que buscar mecanismos para divulgar o país ou melhorar as boas práticas de gestão na área mineral. Com tudo isso, o Brasil é hoje mais conhecido por Mariana e Brumadinho do que por nossa expertise na gestão mineral.
João Bosco Silva é consultor sênior e sócio da Cambridge Family Enterprise Group – Brasil, uma consultoria internacional altamente especializada na criação de valor para famílias empresárias. Fundada em 1989, a Cambridge dedica-se a ajudar as famílias a obter sucesso em seus empreendimentos através das gerações. Ex CEO de empresa familiar de grande porte e de empresa multinacional. Atua como membro do conselho de várias empresas no setor de varejo, agronegócio, alimentos, mineração, infraestrutura e serviços. Possui extensa experiência em gestão e estratégia de negócios e liderança de equipes.
Assessoria de Imprensa: TUDO EM PAUTA